quinta-feira, 29 de novembro de 2007

não vou por aí

" Vem por aqui"
- dizem-me alguns com olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse.

Quando me dizem: "vem por aqui"
Eu olho-os com olhos lassos
Há, nos meus olhos, ironias e cansaços
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali.

A minha gloria é esta
Criar a desumanidade !
Não acompanhar ninguém.

- Que eu viva com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre da minha Mãe.

Não, não vou por ai! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vos responde,
Por que me repetis: " vem por aqui "?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por ai...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada !
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis machados, ferramentas , e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos ?...

Corre, nas nossas veias, sangue velhos dos avós,
E vós amais o que e fácil !

Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.

Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.

Todos tiveram pai, todos tiveram mãe.
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me de piedosas intenções !
Ninguém me peça definições !
Ninguém me diga : "vem por aqui "!

A minha vida é um vendaval que se soltou.
E uma onda que se alevantou.
E um átomo a mais que se animou...

Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
- Sei que não vou por aí!

Esta poesia, Cântico Negro, é o retrato fiel do que me passa agora. Agradeço esta pérola a José Régio, pseudónimo de José Maria dos Reis Pereira, escritor português, nascido em 1901 e morto em 1969.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

a flor

já faz três noites que sonho que, no lugar do meu pau, tenho uma flor.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

hora de crescer

ontem finalmente pude abordar minha relação com ele na terapia. todas as minhas neuroses se maximizam no contato romântico com o outro. depois de escutar o que eu dizia e de me mostrar como meu corpo inteiro buscava fugir do que havia à minha direita, ricardo me propôs algo prático. que eu fechasse meus olhos e sentisse o que dizia meu braço direito, e logo o esquerdo. embora em meu discurso anseie pela liberdade, meu corpo se apavora e foge dela, minha memória me ata à segurança de hábitos que já não me preenchem. o braço e a mão direitos eram pombas brancas voando, eram animais de origami balançando numa brisa leve, eram pulsação de vida, comunhão com o todo, completude. já o lado esquerdo: morte, dormência, madeira apodrecida que se deixa levar pelo movimento das ondas, mãos que esmagam as pombas, que ateiam fogo aos origamis. a leveza da masculinidade parece ser o meu caminho. é chegada a hora de crescer. e isso significa abandonar a proteção superegóica materna.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

solução de compromisso

esta noite foi povoada por dois sonhos entrelaçados. num deles eu era adulto e brincava com uma criança, que também era eu. betina ensinava ao bebê que o galho de uma árvore da felicidade morre se o cortam e o deixam sem água e nutrientes. eu estava deitado no chão, recostado contra uma almofada. vez por outra o bebê subia na minha barriga. era muito carinhoso. minha impressão era de que o bebê/eu não sabia falar ainda. na última vez que se aproximou, fechei o ziper da suéter que usava, até ficar bem próximo do pescoço. O bebê que, na minha imaginação, não sabia falar, então disse, como um adulto: "não faça isso que você me sufoca". no segundo sonho, eu estava num supermercado, com uma mulher-pantera, enfeitadíssima, que enchia seu carrinho com tudo o que havia de mais chique - e mais tóxico. eram quilos e quilos de guloseimas, pães, doces, queijos variados. eu empurrava meu carrinho, em busca de vegetais orgânicos e sentia que não podia colocar nada dentro dele enquanto o carrinho da tal mulher, que também era eu, continuasse cheio. nos topamos várias vezes pelos corredores, até que ela se deu conta de que ter acesso ao que queria comer, significava dar de comer também a mim.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

negroni

nunca tinha escutado falar do drink negroni. numa conversa de josé com manolo, ouvi pela primeira vez. faz mais ou menos seis meses. desde então, virou a minha bebida preferida. meus bons momentos em casa são acompanhados de um negroni. esta noite sonhei que de dentro de mim saía uma torre. sólida, alta, grande, fálica. essa torre era o que eu tinha de mais verdadeiro. para celebrar esse nascimento, surgiu josé, com um copo gelado de negroni. acordei com sabor de gin, campari e vermute na boca.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

impermanência

há encontros fortuitos que deixam marcas tão profundas quanto uma convivência de anos.