segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

sábio


Entre o sono e sonho,
Entre mim e o que em mim
É o quem eu me suponho
Corre um rio sem fim.

Passou por outras margens,
Diversas mais além,
Naquelas várias viagens
Que todo o rio tem.

Chegou onde hoje habito
A casa que hoje sou.
Passa, se eu me medito;
Se desperto, já passou.

E quem me sinto e morre
No que me liga a mim
Dorme onde o rio corre -
Esse rio sem fim.

Fernando Pessoa - 11 de setembro de 1933

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

árvore da vida

esta noite sonhei que era uma árvore. uma árvore do cerrado. nem imensa nem miúda. média. aparentemente frágil. firmemente presa ao solo. meus galhos vergavam com o peso de dezenas de casas de joão-de-barro. ao meu redor, uma algaravia daqueles pássaros. O joão-de-barro é tido como passarinho trabalhador e inteligente. Seu canto parece uma gargalhada e, quando ele canta, é sinal de bom tempo. Que venha o sol!


segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

gaiola de ouro

somos assim. sonhamos o vôo, mas tememos as alturas. para voar, é preciso ter coragem para enfrentar o terror do vazio. porque é só no vazio que o vôo acontece. o vazio é o espaço da liberdade, a ausência de certezas. mas é isto que tememos: o não ter certezas. por isso trocamos o vôo por gaiolas. as gaiolas são o lugar onde as certezas moram .

o texto é de Rubem Alves, escritor brasileiro da atualidade.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

o trovador

era uma galeria comprida. profunda e estreita. vários sofás, várias cadeiras, pessoas conversando em pequenos grupos. puxado por uma professora, eu parava em cada grupo e entoava os versos de uma canção. passava ao seguinte grupo, e seguia cantando. em pouco tempo, congregava todos os presentes naquele espaço, como se meu canto fosse um fio que unisse toda aquela gente. no fim da galeria, uma cama. a minha cama. ali sentado, pensava que havia comprado o bilhete aéreo errado, porque estava morando em madri, tinha que ir a lisboa e contava com uma passagem que dizia rio de janeiro-madri. tonto e enjoado, fui até a pia. uma pia antiga, marca booths, inglesa. no meio do símbolo da marca, estava escrito, em verde: proibido vomitar. vomitei.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

a cara do pai

minha semelhança física com meu pai, que é grande, é pouca diante de quanto me pareço com ele no que há de mais profundo no meu ser. passei minha vida tentando negar o tanto que me parecia. meu pai se suicidou quando eu tinha 14 anos e parecer-me com ele, na minha opinião, aproximava-me perigosamente da loucura. vivi 37 anos esquivando-me da insanidade. faz um mês que o que eu acreditava ser a loucura bateu à minha porta. não houve medo. houve compaixão, doçura, liberdade, relaxamento, leveza. depois disso, me olho no espelho, vejo o que há por dentro e por fora, e me reconheço. eu sou cara do meu pai.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

mantra

eu me aceito profunda e completamente, mesmo não sendo quem eu gostaria de ser, mesmo tendo os problemas que tenho.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

mãos ao alto

estava com meu pai. ambos sentados num banco de um ônibus urbano no rio. nem muito à frente, nem muito atrás. ele estava na janela, eu, no corredor. eu olhava o movimento na calçada. sinto alguém perto de mim. uma pessoa que para, quase roçando o meu ombro, de pé no corredor. pelo volume em sua calça, adivinho um pau enorme, semi rijo. acho curiosa a cena. logo ele coloca a mão dentro da calça, acaricia o que imagino ser seu cacete e saca um revólver. me dou conta de que tenta assaltar-me. retiro o revólver de sua mão com delicadeza. ele retira de dentro da calça outra pistola. já impaciente, tomo a pistola de suas mãos. ele desce do ônibus em seguida. olho para o meu pai. investigo os revólveres. estavam sem balas. abro a janela e jogo as armas através dela. esse sonho leva três dias dando voltas na minha cabeça.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

não vou por aí

" Vem por aqui"
- dizem-me alguns com olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse.

Quando me dizem: "vem por aqui"
Eu olho-os com olhos lassos
Há, nos meus olhos, ironias e cansaços
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali.

A minha gloria é esta
Criar a desumanidade !
Não acompanhar ninguém.

- Que eu viva com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre da minha Mãe.

Não, não vou por ai! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vos responde,
Por que me repetis: " vem por aqui "?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por ai...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada !
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis machados, ferramentas , e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos ?...

Corre, nas nossas veias, sangue velhos dos avós,
E vós amais o que e fácil !

Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.

Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.

Todos tiveram pai, todos tiveram mãe.
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me de piedosas intenções !
Ninguém me peça definições !
Ninguém me diga : "vem por aqui "!

A minha vida é um vendaval que se soltou.
E uma onda que se alevantou.
E um átomo a mais que se animou...

Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
- Sei que não vou por aí!

Esta poesia, Cântico Negro, é o retrato fiel do que me passa agora. Agradeço esta pérola a José Régio, pseudónimo de José Maria dos Reis Pereira, escritor português, nascido em 1901 e morto em 1969.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

a flor

já faz três noites que sonho que, no lugar do meu pau, tenho uma flor.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

hora de crescer

ontem finalmente pude abordar minha relação com ele na terapia. todas as minhas neuroses se maximizam no contato romântico com o outro. depois de escutar o que eu dizia e de me mostrar como meu corpo inteiro buscava fugir do que havia à minha direita, ricardo me propôs algo prático. que eu fechasse meus olhos e sentisse o que dizia meu braço direito, e logo o esquerdo. embora em meu discurso anseie pela liberdade, meu corpo se apavora e foge dela, minha memória me ata à segurança de hábitos que já não me preenchem. o braço e a mão direitos eram pombas brancas voando, eram animais de origami balançando numa brisa leve, eram pulsação de vida, comunhão com o todo, completude. já o lado esquerdo: morte, dormência, madeira apodrecida que se deixa levar pelo movimento das ondas, mãos que esmagam as pombas, que ateiam fogo aos origamis. a leveza da masculinidade parece ser o meu caminho. é chegada a hora de crescer. e isso significa abandonar a proteção superegóica materna.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

solução de compromisso

esta noite foi povoada por dois sonhos entrelaçados. num deles eu era adulto e brincava com uma criança, que também era eu. betina ensinava ao bebê que o galho de uma árvore da felicidade morre se o cortam e o deixam sem água e nutrientes. eu estava deitado no chão, recostado contra uma almofada. vez por outra o bebê subia na minha barriga. era muito carinhoso. minha impressão era de que o bebê/eu não sabia falar ainda. na última vez que se aproximou, fechei o ziper da suéter que usava, até ficar bem próximo do pescoço. O bebê que, na minha imaginação, não sabia falar, então disse, como um adulto: "não faça isso que você me sufoca". no segundo sonho, eu estava num supermercado, com uma mulher-pantera, enfeitadíssima, que enchia seu carrinho com tudo o que havia de mais chique - e mais tóxico. eram quilos e quilos de guloseimas, pães, doces, queijos variados. eu empurrava meu carrinho, em busca de vegetais orgânicos e sentia que não podia colocar nada dentro dele enquanto o carrinho da tal mulher, que também era eu, continuasse cheio. nos topamos várias vezes pelos corredores, até que ela se deu conta de que ter acesso ao que queria comer, significava dar de comer também a mim.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

negroni

nunca tinha escutado falar do drink negroni. numa conversa de josé com manolo, ouvi pela primeira vez. faz mais ou menos seis meses. desde então, virou a minha bebida preferida. meus bons momentos em casa são acompanhados de um negroni. esta noite sonhei que de dentro de mim saía uma torre. sólida, alta, grande, fálica. essa torre era o que eu tinha de mais verdadeiro. para celebrar esse nascimento, surgiu josé, com um copo gelado de negroni. acordei com sabor de gin, campari e vermute na boca.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

impermanência

há encontros fortuitos que deixam marcas tão profundas quanto uma convivência de anos.

terça-feira, 30 de outubro de 2007

piratas

bem no centro na minha testa, entre os olhos, há uma cicatriz profunda, horizontal. está aí há muito tempo e impede que a energia vital faça um caminho direto até essa região. essa cicatriz foi feita numa das lutas que dois piratas travaram naquela região. entre golpes e golpes de espada, a área ficou ferida. hoje descobri que essa cicatriz desaparece quando os piratas buscam uma solução de compromisso. usando suas espadas para cortar os próprios pulsos, eles misturam seus sangues. é justamente o ponto em que a energia flui. curar essa ferida significa reabilitar a energia masculina que expulsei de mim. E reabilitá-la é admitir que ela vem diretamente do meu pai.

domingo, 28 de outubro de 2007

profecia

faz um tempo betina me disse: "você vai ver que chegará um dia em que prestígio social, viver para os demais perderão a importância como idéias norteadoras da sua vida". hoje almocei só. preparei minha própria comida e me sentei à mesa, com um copo de vinho. olhando pela janela os flamboyants em flor, me dei conta de quanto ela tinha razão. Mais que isso, percebi que consegui construir dentro de mim o que procurava fora. a busca pela aprovação alheia dá lugar a um reconhecimento de mim mesmo. e os demais ganham outra dimensão na minha vida. são complementares e não mais essenciais. minha vida não depende deles, embora ganhe em riqueza e colorido com sua presença.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

buda de veludo roxo

sempre senti que giuliana era um arauto de alguma boa-nova. veio me mostrar o quanto estava equivocada minha postura de que afetos e trabalho não combinam. minha aproximação a esse ambiente era asséptica, distante. um conflito surgia do fato de passar o dia fazendo algo que não me movia, para o bem ou para o mal. agora, mesmo quando sinto raiva, integro essa realidade à minha vida. fiquei mais atento ao que se move dentro de mim quando estou por aqui. havia um divórcio entre o homem do trabalho e o homem de fora do trabalho. agora os dois são o mesmo. ou melhor, agora ambos são vários. e todos vão pela vida com mais leveza, levando como estandarte um buda de veludo roxo.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

dodecafonia

vaidosamente, sempre disse que não tinha problemas existenciais. pragmático, afirmava que o que tinha para resolver dizia respeito ao aqui e ao agora. há algum tempo isso mudou. há bem pouco, todos os meus questionamentos existenciais fizeram fila na minha porta. trouxeram com eles oportunidades valiosas de auto-conhecimento, de humanização e de contato. até o momento tudo foi digerido com cuidado e distância. se anuncia a hora de sair para o mundo, de viver a vida, de aplicar o aprendido na prática. o medo me humaniza e com ele pela mão vou dançar a minha música. não é mais o crescendo que eu imaginava que seria, uniforme e em avanço permanente. é puro fruto da dodecafonia. avanços, recuos, quebras e retrocessos. a verdade da minha vida está no fato de que ela está longe de ser uma sinfonia.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

insetos

vestindo um guarda-pó branco comprido, abria gavetas baixas e largas e mostrava caixas de madeira cobertas com vidro para outra pessoa, vestida da mesma forma que eu. dentro das caixas, presos por alfinetes compridos, insetos das mais variadas formas. alguns imensos, outros nem tanto, de cores diversas, atraentes e brilhantes. a outra pessoa tinha ido a visitar meu laboratório, atraída pela notícia de que me desfazia da minha coleção de insetos. em inglês, insetos são bugs. Em informática, os bugs impedem que o programa, ou a máquina, funcionem bem. me desfiz da minha coleção de tudo o que me impede de funcionar bem.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

buika

esta noite sonhei que havia ido trabalhar de bermudas. na parte de cima levava um robe verde e amarelo pertencente à minha mãe, que fez o encanto dos meus dias de criança. chegando à embaixada, me aturdia a idéia de que a roupa que vestia não era apropriada. ninguém dizia nada, ninguém me olhava com reprovação, mas uma sensação de inadequação me empurrava para a loja da frente, onde pretendia comprar uma calça. em seguida, me vejo na missa de sétimo dia de parentes de duas colegas do trabalho. não havia vínculos afetivos com elas, nem com os mortos, mas soluçava de tanto chorar. dos demais presentes não partiam reprovações. meu peito explodia, lançando fel e diamantes, merda e pérolas, ódio e amor. assim que acordei, me veio à cabeça a primeira música do cd de buika que josé me deu de presente...dime por qué tiene carita de pena. que tiene mi niña siendo santa y buena? não me canso de impressionar com o papel esclarecedor e a capacidade de síntese que têm os sonhos.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

operário padrão

demorei 37 anos para integrar meu coração ao meu corpo. sempre soube que estava lá, mas sua presença em minha vida era pontual. poucas vezes prestava atenção ao que saía dali. por muito tempo foi como se não existisse. faz muito pouco que estou atento ao seu bater. agora, mesmo quando dói, me produz a alegria de estar vivo.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

vaticínio

racionalmente, sempre rejeitei a insistência com que minha mãe dizia que tinha medo de que eu sofresse do mesmo mal que meu pai. inconscientemente, sempre achei que ser igual a ele, era ser indefeso, fraco, feminino, doente. me dividia entre cumprir os desígnios de minha mãe e ser fiel à memória de meu pai, adoecendo. hoje vi que desse pai saco a força para viver, a verve e a inteligência, a potência, a masculinidade. as palavras de minha mãe perdem a força de profecia. passam a ser uma possibilidade. é alentador saber que depende de mim que os vaticínios se tornem realidade.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

declaração

comecei a amar você de verdade quando me dei conta de que jamais teria preenchido por você o que me faltou do meu pai. só me foi possível ver o quão maravilhoso você é quando percebi que não posso confundir você com ele. o que faltou dele, seguirá faltando. o que vem de você é tanto que por ora sobra.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

presente

o presente é o pequeno instante entre o que já foi e o que ainda está por ser. se você consegue vê-lo, já é passado. se ainda não se pode notar, é futuro. a vida é feita da soma desses pequenos instantes. é construída naquele momento exato. o que veio antes não pode ser mudado. o que está por vir é promessa ou esperança. o que temos de real é exatamente aquilo ali. paradoxalmente, é a realidade o que sempre deixamos escapar. sempre em nome do que já foi ou do que ainda não é e pode jamais chegar a ser.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

filosofia


a fruta-do-conde é a prova viva de que deus existe. por haver inventado algo com um sabor natural tão sofisticado e por dar ao ser humano a possibilidade de experienciar esse sabor.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

a raiva

por muitos anos da minha vida não sabia o que sentia. quando comecei a me dar conta do que sentia, não sabia como expressá-lo. meus sentimentos vinham de forma convulsiva, e colocá-los para fora era sempre feito de forma atabalhoada, em espasmos, descontroladamente. pouco a pouco, expressar-me foi se transformando em algo normal. em meu ideal de perfeição, somente pude aprender a dar vazão aos sentimentos ditos nobres. como resultado, a expressão do que sinto ainda não é fluida com relação à raiva. antes a transformava em ironia. a ironia me livrava da responsabilidade pelo que dizia. sempre podia afirmar que se tratava de uma brincadeira. houve grande evolução. agora, a expressão da raiva sai aos borbotões. chegará um dia em que dizer te odeio terá o mesmo peso que dizer te amo.

terça-feira, 28 de agosto de 2007

infinito particular

o abandono da idéia de perfeição é a tradução da liberdade. nesse ponto exato em que morre o superhomem, as grades se diluem. o que era percebido como prisão passa a ser possibilidade. e essas possibilidades são infinitas...

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

hoje é um novo dia de um novo tempo...

Há três anos sonhei que matava minha mãe. Com uma faca afiada a apunhalava pelas costas. Acordei assustado e tive um dia cheio de tristeza. Esta noite sonhei que matava meu pai. Não houve culpa. Acordei com uma sensação nova de que a minha vida é mais minha e de que finalmente sou alguém a quem se pode chamar eu. Isso muda muitas coisas. Inclusive minha capacidade de entrega ao outro. Quanto mais "eu" sou, mais capaz sou de deixar de sê-lo. Quanto mais sei de mim, menos perigo enxergo na flexibilidade. Consciência de mim mesmo e fluidez se combinam. Esta manhã vim ao mundo. O aprendizado que se anuncia me deixa com um sorriso imenso na cara.

terça-feira, 31 de julho de 2007

infância

se me dissessem há algum tempo que as minhas relações profissionais podem espelhar a forma como, criança, me relacionava com meus pais, mandaria o orador à merda. recentemente cheguei à conclusão de que, sem dar-me conta, atribuía à relação com meu chefe tintas do relacionamento com meu pai. a partir do momento em que coloquei atenção nisso, mudou a forma como vejo o trabalho. faz pouco tive provas de que fui indecentemente enganado por meu chefe. não chorei como a criança que tem o reconhecimento negado pelo pai. foram lágrimas adultas por haver acreditado num grandesíssimo filho da puta.

quinta-feira, 26 de julho de 2007

medo

minha cura passa por ter medo. e admiti-lo. uma das idéias que me persegue é a de que a liberdade só existe quando se é destemido. contrariamente, quanto mais medo sinto, mais livre sou.

quarta-feira, 25 de julho de 2007

exegese

estou mais atento às verdades que tive um dia e que vêm à tona embora já não correspondam à realidade. o post anterior tem algumas delas.
é mentira que confio em pouquíssimas pessoas. confio em muita gente. em graus diferentes, mas são bastantes aqueles que têm a minha confiança.
é verdade que me aturde a idéia de que viver o meu desejo pode conduzir à perda do amor desses em quem confio. se essa idéia tem um lado positivo, seguramente não é o de fazer-me confiar mais.
é mentira que ache que se confio em muita gente, as perdas que advenham, e essas virão, podem ser contrabalançadas. é como pensar que amar a muitos me poupará de sofrer pela perda de um amor verdadeiro.
é verdade que quanto mais confio, mais interdependente me vejo.
e é mais verdadeiro ainda que saber-me assim enche o meu coração e o meu corpo de alegria.

terça-feira, 24 de julho de 2007

microcosmo

confio em pouquíssimas pessoas. me aturde a idéia de que viver o meu desejo pode conduzir à perda do amor desses em quem confio. essa idéia talvez tenha um lado positivo. fazer-me confiar mais. se confio em muita gente, as perdas que advenham, e essas virão, podem ser contrabalançadas. quanto mais confio, mais interdependente sou. e saber-me assim enche o meu coração e o meu corpo de alegria.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

pessimismo

o pessimismo que por vezes me assalta é uma forma de não fazer-me responsável pelas minhas escolhas. naquele mundo de fantasia, imagino que meu chefe se zanga comigo, me dá um esporro, eu respondo à altura, resolvo que não há mais clima para continuar trabalhando com ele, e vou viver na Índia por uns tempos. nessa história, sou vítima das circunstâncias, e não há forma de perder o apreço dos demais. o desejo real é mandar os avanços na carreira à merda e zarpar para a Índia para viver por lá. nesse caso, a desgraça anunciada é a forma pela qual consigo viver a liberdade. mas até o meu pessimismo é prudente...

quarta-feira, 11 de julho de 2007

independência

se decido que o valor que dou a mim mesmo é o mesmo valor que tu me dás, fico em péssimos lençóis. Significa que no dia em que não me vires, tampouco terei olhos para mim. O que acho dependerá do que pensas. Como sou dependerá do que queres. Já estive aí, e me custou muitas lágrimas sair desse lugar.

terça-feira, 10 de julho de 2007

corda bamba

Ando na corda bamba com a segurança de um artista de circo. Pouco vejo à frente. Dois palmos de visão e, mais adiante, tudo é neblina. Uma névoa densa que faz com que a minha atenção se restrinja ao momento e ao movimento imediatos. Nessa caminhada, expansão e tensão são forças convergentes. São elas que me fazem ser inteiro.

bicicleta

Em outro momento da minha vida, o que ocorreu ontem tardaria a curar-se. Mais que isso, seria o início de um mergulho num espaço paralelo de tristeza e melancolia, de onde esperaria ser resgatado por um pai amoroso. Hoje, embora tenha criado dentro de mim esse super-herói pronto a ajudar, a frustração assume o seu devido lugar. Já não faço birra se o presente que espero ver na árvore de natal não é a tão sonhada bicicleta.

polaridades

Estruturei a vida em polaridades: força e debilidade, macho e fêmea, feminino e masculino, controle e abandono. Pensava que a existência só era possível nos extremos. Hoje me dou conta de que posso localizar-me em qualquer ponto do espectro. Percebo que da combinação de ambas as forças, nasce uma nova, que me faz íntegro e único, e é o meu motor.

sexta-feira, 22 de junho de 2007

felicidade

Uns quatro anos atrás, passeando pelas ruas de barcelona, um cheiro delicioso invadiu o meu nariz. Ao me aproximar do lugar de onde saía o cheiro, me dei conta de que se tratava de uma loja de balas artesanais. Hoje, ao descobrir que a loja se chama papabubble, o mesmo cheiro encheu a minha alma. E me fez feliz. Obrigado a Alvaro por esse sopro de vida.

quarta-feira, 20 de junho de 2007

ação criativa

Na fusão dos gametas, o sujeito já está inscrito. Carregamos, como se fosse uma herança genética, a angústia dos nossos pais. O sujeito pode, através da análise ou do seu próprio esforço, dela se libertar. Caso contrário, seguirá, para sempre, tomando-a como se fosse sua.

Françoise Dolto

segunda-feira, 18 de junho de 2007

ábaco

Passando as contas do que aprendi, me dou conta de que começo a confiar no mundo. Vejo que os outros também fazem coisas que prestam. Percebo que muitas dessas coisas tornam mais fácil minha vida. Pouco a pouco vou me livrando dessa idéia megalomaníaca de que o meu destino depende exclusivamente de mim.

terça-feira, 12 de junho de 2007

herança

De mamãe herdei um pessimismo encoberto que me fazia crer que a desgraça estava sempre à espreita. Tive o hábito de abreviar meus momentos de prazer e dilatar ao máximo as ocasiões de alerta. Percebia o amor de papai por ela e devo ter julgado que isso me valeria o mesmo reconhecimento. O que eu esperava não aconteceu. O perigo que acreditava estar me olhando de bem perto, tampouco se materializou. Pouco a pouco aprendo a colocar cada coisa em seu lugar.

segunda-feira, 11 de junho de 2007

diferença

Sempre me achei infinitamente melhor que minha irmã: mais bonito, mais brilhante, mais inteligente e uma sucessão de mais que me faziam olhá-la de cima. Nesta lista, entrava a idéia de que minha mãe me preferia a ela. Este fim de semana levei uma cacetada. E vi que Verônica é muito ela. Na mesma medida em que eu sou tão eu. Percebi que mamãe nunca teve preferências: sempre me tratou como sou e a ela dispensou o cuidado que ela merece por ser como é. Nem melhor, nem pior. Diferente.

terça-feira, 29 de maio de 2007

feira de ciências

Quando pequeno, fazia um experimento. Num prato fundo com água, jogava pimenta do reino em pó. Depois, pegava um pedaço de sabonete e encostava no líquido. O resultado era que a poeira da pimenta fugia do sabonete, juntando-se toda do mesmo lado. Muitas vezes, sinto que todas minhas células se afugentam quando encontram uma mão carinhosa. Isso quando tudo o que quero é deixar-me estar e receber o calor que dali emana.

segunda-feira, 28 de maio de 2007

ô coisinha

A figura do meu pai é central na minha história. Normalmente por sua ausência. Uma ausência que doeu. Pensava que quanto mais parecido com o filho ideal eu ficasse, mais amor teria. Passei a vida buscando ser o filho que eu achava que ele queria ter, para conseguir um amor que não mais me poderia ser dado. Só muito recentemente é que me dei conta de que sou digno de ser amado pelo que sou.

terça-feira, 22 de maio de 2007

sócrates

Quanto mais me debruço sobre mim mesmo, mais me dou conta de quão fluido sou. E a minha essência consiste em não aprisionar-me no que acho que deveria ser, mas surpreender-me com a minha capacidade de mutação. Quanto mais me vejo, menos me (re)conheço. E isso é libertador.

quinta-feira, 17 de maio de 2007

peep show

Quando morava em Madrid, certa vez disse a José que queria ter um corpão. A explicação veio em seguida: uma aparência que agradasse a todo o mundo. Naquele tempo só podia me reconhecer pelo olhar do outro. Hoje, que já sou capaz de me enxergar, dou-me conta que a completude passa por admitir o muito que me agrada ser admirado fisicamente. Exibir-me é uma forma de capturar essa parte que tanto me custa aceitar.

quarta-feira, 16 de maio de 2007

declaração de intenções

As três primeiras letras do seu nome são o anagrama daquelas três que iniciam o meu. Perder-se no azul límpido dos seus olhos significa encontrar-me com o que tenho de mais íntimo. E ainda há gente que teima em dizer que as verdadeiras amizades são somente aquelas que carregamos desde a infância...

terça-feira, 15 de maio de 2007

sem vergonha

Ali, mais adiante, no espaço em que o rio de águas turvas e aquele de águas claras se misturam, é onde sou mais eu. Um círculo traçado naquele emaranhado de gotas limpas e sujas é o terreno apropriado para deitar raízes. Nessa região onde tudo se mistura, me ergo íntegro, e brilho sem vergonha de ser admirado pela multidão dali.

quinta-feira, 10 de maio de 2007

ítaca

Ando. O mundo se materializa em volta de mim enquanto caminho. O ambiente se completa ao ritmo dos meus passos. A cada pé que se adianta, uma parede surge, uma árvore se desenha, um passarinho alça vôo. Se olho para trás, não vejo nada. À frente, o vazio. Com os dois pés fincados no presente, me sinto mais vivo que nunca.

terça-feira, 8 de maio de 2007

daydreams

Ontem sonhei que você gozava na minha boca. Era um rio caudaloso de porra que se metia pelas minhas entranhas. E caía dentro do estômago como uma chuva de pérolas. Ali, tudo o que havia era uma lama fedida, que, regada com pérolas, fazia nascer a mais bela das flores de lótus. Quantas vezes terei que beber sua porra para que me sinta inteiro?